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A Lenda do Arrepiado

Iniciado por Ricardo, Março 05, 2018, 12:24:51 AM

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Ricardo

Recortada contra o azul do céu, a silhueta imponente do Castelo de Almourol, evoca um passado povoado de personagens lendárias, de guerreiros e de heróis, de mouras encantadas e misteriosas donzelas. Todo um imaginário de sonho vivificando de imaginário a História e a Cultura das populações vizinhas do milenar castelo. A imponente construção medieval ergue-se na pequena, mas agreste e solitária, ilha de Almourol no meio do formoso e vasto Tejo, ali engrossado pelas águas do luso Zêzere. Das suas elevadas torres avista-se uma paisagem deslumbrante. Perto, prende-nos a atenção a risonha e mourisca povoação do Arripiado. O seu nome remete para uma lenda a que não falta nenhum dos ingredientes requeridos pela arte narrativa do povo de riba Tejo: cavaleiros sedutores e jovens de divina formosura vivem amores ora contrariados ora bem conseguidos. E tudo acontece naquele lugar privilegiado pela natureza, um lugar disputado pelos homens e pelos deuses: a surpreendente ilha de rochas reluzentes destacadas do areão de seixos doirados. Ilha verde e ocre, sombreada de frescos salgueirais e de copados sobreiros e azinheiras. Quando um frémito de aragem percorre a ramaria, a moldura esmeraldina reflecte-se no espelho mágico do rio. Pescadores e homens serranos navegam as águas profundas e descansam nas aprazíveis praias do Tejo. Casario branqueja nas encostas marginais do grande rio. As povações do Arripiado, do concelho da Chamusca, e logo além Tancos, do concelho de Vila Nova da Barquinha, apresentam aos olhos do viajante as marcas de um Passado que se desdobra também na aventurosa gesta de desbravar a terra e o rio e as matas. Povoações que testemunham a luta quotidiana, vivida ao longo dos tempos, por povos de dferentes civilizações. Almourol, a pitoresca ilha tagana, era já um castro romano na Era de César. Na decadência do Império Romano, a arruinada fortaleza foi convento e ermitério. A situação estratégica determinou o oscilar da sua posse por senhores de exércitos, por nobres poderosos. No periodo de declinio da dominação muçulmana, algumas épocas de agitação seguem-se a tempos de pacifica convivência entre moçárabes e os cristãos descendentes dos godos. Em Almourol vivia-se ao sabor de algaras mouriscas e de fossados dos cavaleiros cristãos que acompanhavam os cruzados nas lutas pela Reconquista. Reza a tradição que, no século X, a ilha tinha sido conquistada pelo temido Ibne Baqui, filho do lendário Xurumbaque. Este era um Mouro dotado de forças superiores. Feito prisioneiro pelos nórdicos da Normandia, logrou escapar-se-lhes. Conheceu palmo a palmo a região galega e, mais tarde, as terras taganas. Era já muito velho, quando decidiu marcar os seus dominios e instalar-se, em recônditos e inacessiveis lugares, entre serranias e rios profundos, numa região da antiga Lusitania, entre Coimbra e Santarém. A ilha de Al Mourol foi reforçada e dotada de uma zona de residência e de lazeres. Uma luxuosa alcaçaba, onde Ibne Baqui dividia o seu tempo entre aventuras guerreiras e os prazeres da música e da poesia. Al Mourol era um luger de paz e de recolhimento e uma atalaia vigilante. O poderoso muçulmano amava muito a sua mulher, a doce Fata, da tribo de Micnesa. Ambos se orgulhavam de sue filha Ari, uma jovem de rara beleza e invulgar talento. Os seus cânticos dulcificavam o coração dos guerreiros de Alá . A sua elegância e arte de bailarina eram afamados em todo Al Andaluz. De Beja, por uma madrugada de Maio, chegou uma luzida embaixada. Logo, Ibne Baqui mandou que todos os barqueiros e pescadores do rio se preparassem para acolher e transportar para Al Mourol o seu amado e velho irmão e toda a luzida comitiva que de tão longe viera visitá-lo. Ibne Xurami, senhor de imensa fortuna e invencível poderio militar, ouvira falar de Ari. Por ela, se decidira a vir negociar um casamento que haveria de reforçar ainda mais os descendentes do heróico Xurumbaque. A doce Ari veio a saber pelo zum-zum das belas mulheres do Pátio das Estrelas o que estava a acontecer. Uma nuvem negra parecia-lhe pairar sobre a sua juventude. Desde menina que ela amava Mem Roderico, moçárabe influente, mensageiro da paz em muitas questões e rivalidades entre mouros e cristãos. Também ele amava perdidamente a formosa Ari. Esperavam ocasião asada para convencerem os pais de ambos a permitirem o seu casamento. Depois de um longo serão de festejos, Ari esperou que o pai e a mãe se dirigissem para os seus aposentos e pediu-lhes para a ouvirem. Confiada no amor dos seus progenitores, Ari confessou-lhes o seu romance com Mem Roderico. E, rojando-se no lajedo, jurou-lhes que não suportaria nunca casar-se com o velho tio. Irado, Ibne Baqui mandou que metessem a filha na mais alta torre da fortaleza. E, para que não tentasse fugir, dizem as pessoas antigas, que "Piaram-a, isto é, ataram-na pelos pés como se fazia às cavalgaduras ruins de amansar. Ari peada, morria de saudade e paixão. Certo dia, por uma estreita fresta, entrou uma pomba branca que trazia presa a um laço no pé uma mensagem. Era a notícia de que o seu amado Mem Roderico tinha sido morto numa cilada pelos soldados de Ibne Baqui. Nesse mesmo instante a alma pura da infeliz Ari deixou o seu formoso corpo. Ari peada voou no corpo da pomba branca e foi poisar na campa de Roderico, lá em baixo, frente ao Tejo, no branco cemitério da povoação que o povo passou a chamar de Aripeada, a branca e bela povoação do Arrepiado.